A inflação, o desemprego e a habitual intransigência patronal na mesa das negociações salariais, continuam castigando duramente a classe trabalhadora. O arrocho tem sido a regra nos acordos e convenções coletivas, apesar da recuperação alardeada por Paulo Guedes e Jair Bolsonaro. Ao longo do mês de fevereiro, 60,5% dos 119 reajustes analisados pelo Dieese até 9 de março ficaram abaixo da inflação, indicada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (INPC-IBGE).
O órgão explica que são dados preliminares, “mas em termos percentuais, se aproximam do observado em janeiro de 2021, quando foram analisados 2.315 reajustes. Outros 15,1% dos reajustes de fevereiro tiveram valor equivalente ao da inflação acumulada nos 12 meses anteriores. Os demais, 24,4%, ficaram acima do índice medido pelo IBGE”. No acumulado do ano (jan-fev/22), cerca de 37% dos reajustes das duas primeiras datas-bases ficaram abaixo da inflação, 32% acima e 31% em valor igual ao INPC. A variação real média até o momento é de -0,48%.
Essas estatísticas traduzem um quadro persistente de arrocho salarial na pandemia, cujo significado é uma impiedosa transferência de renda da classe trabalhadora para os proprietários do capital. Não sendo uniforme, a alta desalinhada dos preços provoca a depreciação do valor da moeda e uma perversa redistribuição da renda disponível entre os diferentes agentes econômicos, refletindo e acirrando o conflito distributivo ou, em outras palavras, a luta de classes. Não só entre capital e trabalho como também entre os diferentes setores e ramos da produção numa guerra de preços relativos que opõem industriais a comerciantes, comerciantes a agricultores, comerciantes e consumidores, proprietários de imóveis e seus inquilinos, credores a devedores, além do conflito preços-lucros-salários e trabalho contra o capital.
Nesta peleja, como sugerem os dados do Dieese, a classe trabalhadora geralmente sai no prejuízo, que é maior ou menor segundo o grau de organização e a capacidade de mobilização e luta das diferentes categorias. Sofrem relativamente mais as camadas mais vulneráveis, desorganizadas e empobrecidas da classe, especialmente num momento (como é o caso hoje) em que a inflação é maior para os pobres em consequência da disparada dos preços de alimentos e combustíveis.
O economista inglês John Maynard Keynes observou no ensaio intitulado Inflação e Deflação: Uma variação nos preços e nos ganhos, medida em dinheiro, geralmente afeta diferentes classes desigualmente, transfere riqueza de uma para outra, produz aqui opulência e ali necessidade, e redistribui os favores da Fortuna de tal forma que se frustra o desígnio e se desaponta a esperança (…). O processo de aquisição de riqueza degenera em jogo e loteria”.