Indústria caminha para mais um “ano perdido” no governo Bolsonaro

31/01/2022

Para a indústria nacional, o último ano do governo Jair Bolsonaro tem tudo para ser igual aos anteriores: um “ano perdido”. É o que apontam analistas consultados pelo jornal Valor Econômico. Nem mesmo a perspectiva de superar a pandemia parece animar o setor em meio à crise econômica do País.

Conforme levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV) sobre trajetória do Nível de Utilização de Capacidade Instalada (Nuci), os sinais de reação da atividade industrial não foram suficientes para que o uso de capacidade da indústria, nos últimos dois anos, voltasse à média histórica de antes de 2020. De janeiro de 2010 a dezembro de 2019, a média histórica do Nuci da indústria brasileira era de 78,8%. Já nos últimos dois anos, de janeiro de 2020 a dezembro de 2021, ficou, em média, em 76,2%.

No entendimento de especialistas, a retomada consistente da atividade industrial enfrenta vários obstáculos. Entre eles, marcas de gargalos na cadeia global de insumos, persistentes nos últimos dois anos; e demanda interna ainda enfraquecida, prejudicada por inflação e juros em alta e renda em baixa. Além disso, em 2022 a indústria ainda deve operar com custos elevados, principalmente de energia. Para os economistas, o mais provável é que uma recuperação sustentável na indústria ocorra apenas em 2023.

Segundo Claudia Perdigão, economista da FGV e responsável pelo cálculo do Nuci em cenários pré e pós pandemia, a indústria mostrou alguns bons momentos, de reação de atividade. Mas foram momentos erráticos e conectados a áreas específicas, com boas performances durante a pandemia – como commodities agrícolas e extrativa mineral (petróleo e minério de ferro).

Em abril de 2020, no começo da pandemia, o Nuci operava em 57,3%, mínimo da série histórica originada em janeiro de 2001. Mas em outubro de 2021, estava em 81,3%, o maior valor desde junho de 2014 (81,6%). Na prática, não houve trajetória de altas consistentes no Nuci ao ponto de a média da pandemia ter retornado ao que era antes do avanço da Covid-19 no País. “Nesse período de 2020 a 2021, tivemos oscilações muito grandes”, resumiu a economista.

Para 2022, alguns dos vários fatores que impediram recuperação sustentável nos últimos anos ainda permanecem. “Todos os problemas que foram se acumulando não vão desaparecer em 2022”, afirma Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

Além dos entraves antigos, problemas novos também devem afetar a produtividade neste início de ano. Cagnin cita o avanço rápido da ômicron, variante do novo coronavírus que levou a aumento de casos da doença, com posterior afastamento de funcionários contaminados. “Em escritório, até dá para lidar (com afastamentos) sem grandes perdas. Mas, do ponto de vista do chão de fábrica, isso gera obstáculos (à produção)” disse. Para ele, isso pode prejudicar produção industrial no começo de 2022.

Há também problemas internos e externos enfrentados pelo setor de bens duráveis (de maior valor, como veículos, fogões e geladeiras). No ambiente interno, Cagnin nota que, se o poder aquisitivo do consumidor não estiver em alta ou estável, a decisão de compra pode ser adiada. No lado externo, Cagnin recorda ainda que, sob a pandemia, esse setor foi mais vulnerável ao problema de falta de material, devido a problemas na cadeia global de insumos, como falta de semicondutores para veículos, lembrou ele.

Rodolfo Margato, economista da XP, aguarda regularização maior e mais sustentável da cadeia global de insumos da indústria a partir do segundo semestre de 2022. “No ano passado, a indústria teve uma performance abaixo (do esperado)” lembra ele, frisando que, além de falta de insumos, o setor ainda teve que lidar com crise energética, que causou encarecimento de custos com energia.

Ao ser questionado se essa regularização, na prática, levaria a retomada sustentável da indústria ainda neste ano, o especialista da XP disse não acreditar nessa possibilidade. “É difícil imaginar 2022 como ano de retomada consistente. É um ano de busca pelo reequilíbrio entre oferta e demanda”, resumiu ele.

As projeções da XP para a indústria em 2022 refletem o entendimento de Margato. A casa estima alta de apenas 0,8% na atividade industrial este ano. Em 2021, a produção industrial deve encerrar em torno de 4,2%, mas frente à base de comparação fraca, frisou o técnico, referente a 2020.

As projeções são semelhantes à do banco Inter, que estima crescimento de 0,5% em 2022, ante alta em torno de 4% em 2021, informou Rafaela Vitória, economista-chefe da instituição. Mas ela prevê crescimento de 2% para a produção industrial em 2023, no qual poderá ser possível “crescimento consistente” da indústria, nas palavras da especialista.

A retomada da indústria não opera de forma uniforme. Segundo Rafaela, no caso das montadoras, a partir do momento em que houver regularização na cadeia de insumos, esse segmento pode voltar a normalizar estoques. Outros segmentos industriais ligados à mineração, papel e celulose também têm chance de bons desempenhos neste ano.

Mas algumas áreas dentro da indústria dependem de reação robusta da demanda interna – o que não ocorre, no momento. “A massa salarial não está crescendo tanto, mesmo com a retomada do emprego. E a taxa do desemprego ainda é alta”, diz ela, comentando que esses fatores “enfraquecem” a demanda final da indústria. Em novembro de 2021 (dado oficial mais atualizado), a produção industrial caiu 0,2% ante outubro, sexto recuo consecutivo nessa comparação ante o mês anterior, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Fonte: Portal Vermelho, com informações do Valor Econômico

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