Bolsonaro retrata agricultor como jagunço e revolta o setor rural

29/07/2021

Em pleno Dia do Agricultor, o governo Jair Bolsonaro provocou um mal-estar generalizado entre trabalhadores e empresários rurais. Tudo porque, para celebrar a data, uma publicação da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da Presidência nesta quarta-feira (28), no Twitter, usou a imagem não de um agricultor, mas, sim, de uma espécie de jagunço.

 

Por André Cintra *

 

Na ilustração, em vez de mostrar um trabalhador com uma enxada, uma foice, um equipamento agrícola ou mesmo uma colheita, o governo preferiu exibir um homem armado com uma espingarda no ombro. Embora a legenda da foto mencionasse “trabalhadores que não pararam durante a crise da Covid-19 e garantiram a comida na mesa de milhões de pessoas”, o tiro da tal espingarda bolsonarista saiu pela culatra.

Em nota, a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares) não passou recibo para Bolsonaro e cobrou respeito. Segundo a entidade, a “melhor homenagem” que a categoria merece é o “reconhecimento ao seu importante papel na produção de alimentos e no desenvolvimento do País”. A gestão Bolsonaro, porém, promove “uma ‘homenagem’ totalmente desrespeitosa, com a imagem de uma pessoa no campo segurando uma espingarda”.

Conforme a Contag, o Brasil tem 15 milhões de agricultores familiares que, com seu trabalho, “contribuem com a soberania e segurança alimentar e nutricional da população, produzindo 70% dos alimentos que chegam diariamente à mesa da população brasileira. São alimentos saudáveis, produzidos de forma sustentável, com mais sabor, potencial nutritivo e preservando os hábitos alimentares locais, o meio ambiente e a cultura local”.

A gafe também irritou o agronegócio, que apoiou Bolsonaro em peso nas eleições presidenciais de 2018. O jornal Valor Econômico lembrou que atualmente, devido à crise de credibilidade do País sob a gestão Bolsonaro, “o agro brasileiro procura melhorar sua imagem no exterior”.

Não à toa, a homenagem “miliciana” da Secom “desagradou a praticamente todas as alas do agronegócio brasileiro, mesmo as mais conservadoras”, e irritou o setor rural. Segundo o Valor, “absurdo’, ‘inacreditável’, ‘revoltante’, ‘lamentável’, ‘sem noção’ e ‘vergonha’ são algumas das definições que circulam no setor sobre o post”.

O tom de contestação no Congresso foi igualmente geral. “Só a um governo adorador da morte, pregador da violência e do extermínio, pode ocorrer homenagear os agricultores com a imagem de um homem armado. Não é dia do miliciano para fazer apologia ao crime”, registrou, em suas redes, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP).

“Trocar a enxada por uma arma mostra bem a intenção desse desgoverno de criar milícias rurais”, disse o deputado federal José Guimarães (PT-CE). “Bolsonaro negou o auxílio emergencial para o campo que aprovamos no Congresso. Prefere investir na violência no campo.”

No Twitter, em reação à postagem oficial, os termos “agricultor” e “jagunço” apareceram no “trending topics” – o ranking dos assuntos mais comentados na rede. Internautas denunciaram que a foto pode ser encontrada em bancos de imagens como o Getty e o iStock, nos quais o retrato é descrito como “silhueta de caçador”. Além disso, o homem armado sequer é brasileiro, já que a fotografia foi tirada na África do Sul.

* André Cintra é jornalista

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