O cenário de escassez de fertilizantes no Brasil, decorrente do conflito na Ucrânia, foi utilizado nesta quarta-feira (2) pelo presidente Jair Bolsonaro para justificar a regulamentação da mineração em territórios indígenas. Bolsonaro defendeu o projeto de lei nº 191/2020, que permitiria ‘a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em terras indígenas’, ao postar em suas redes sociais mensagem dizendo que vai faltar no país o potássio – necessário aos fertilizantes e que tem como a Rússia um fornecedor fundamental. O ex-presidente da Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB Paulo Machado Guimarães alerta que é que ilegal o que enseja Bolsonaro.
“A pesquisa e a lavra de minérios utilizados na produção de fertilizantes, só pode ocorrer, nos termos previstos na Constituição Federal, de acordo com condições específicas previstas em lei, que não existe, no interesse nacional, mediante autorização do Congresso Nacional e após as comunidades e povos indígenas envolvidos nas terras onde a pesquisa e lavra vá ocorrer, tenham sido ouvidas/os. Nada disso ocorreu. Portanto, a afirmação do cidadão que ainda exerce a presidência da República, não tem amparo constitucional”, afirmou ele ao Portal Vermelho.
Em artigo publicado no portal Jota, a assessora Jurídica do Instituto Socioambiental (ISA) Juliana de Paula Batista e o sócio-fundador do ISA e ex-deputado federal Márcio Santilli, também consideram que o PL 191/20 atropela a Constituição para liberar a mineração em terras indígenas, prevendo ainda a instalação de hidrelétricas, abertura de estradas e plantio de transgênicos. “Sob o ponto de vista constitucional, diversos aspectos que devem reger a lei vêm sendo vilipendiados, tanto no debate público como nas proposições que tramitam no Legislativo, notadamente no PL nº 191/2020”, alertam.
Um relatório recente da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e da Amazon Watch, mencionado pela CartaCapital, revela que, se aprovado, o projeto de lei defendido por Bolsonaro poderá levar à perda de 160 km² na Amazônia. O documento ainda ressalta que, com Bolsonaro no poder, o avanço do desmatamento tem registrado recordes históricos, tendo crescido 65% em 2021 na comparação com 2018. A medida também contribuiria para o genocídio dos povos originários brasileiros.
“A entrada da mineração nesses territórios resulta em rupturas e fragmentações que nunca mais voltam a ser como antes. Podemos estar diante de mais uma etapa do genocídio indígena pela indústria extrativista”, afirmou a assessora de campanhas da Amazon Watch no Brasil, Rosana Miranda, em entrevista recente a CartaCapital.
A revista recorda que Bolsonaro esteve com Vladimir Putin para tratar da ampliação do comércio de potássio entre os dois países. “As publicações desta quarta feitas por Bolsonaro reforçam a política do atual governo contra os povos indígenas. Desde antes de vencer as eleições, o ex-capitão prometia não demarcar novas terras indígenas no Brasil, a promessa vem sendo cumprida. O presidente também atua para ampliar a entrada de garimpeiros e ruralistas em territórios protegidos. Sob sua gestão, grileiros passaram a circular livremente em Brasília e ampliaram o lobby pela exploração. O garimpo ilegal também avançou nos últimos anos com fiscalização e novos regramentos, mais frouxos, criados por Bolsonaro”, destaca a publicação.
Importações
Antes mesmo da aprovação de sanções mais severas à Rússia, o conselheiro e sócio-fundador da BMJ Consultores Associados Welber Barral, alertou em entrevista ao Portal Vermelho sobre o risco dos efeitos para a agricultura brasileira das medidas que estavam em discussão e que depois se concretizaram. “Há várias propostas de levantar sanções contra a Rússia, limitando por exemplo, a atuação de bancos, pagamentos, transferências, financiamento e isso, claro, pode afetar, principalmente, as vendas do Brasil para a Rússia de carnes e as importações de fertilizantes, que vêm muito daquela região toda”, afirmou o ex-secretário de Comércio Exterior do Governo Lula.
Contudo, conforme alerta da Federação Única dos Petroleiros (FUP) noticiado pelo Portal Vermelho, o Brasil chegou a esse atual nível de dependência, principalmente porque a Petrobras fechou uma unidade e vendeu três das fábricas de fertilizantes que tinha no país. Essas decisões fazem parte do processo de desintegração da estatal em curso desde setembro de 2016.
Segundo dados da balança comercial brasileira, da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), analisados pela área econômica FUP, o Brasil gastou ano passado US$ 15,2 bilhões em importações de adubos e fertilizantes químicos. O valor é 90% maior do que o gasto em 2020. Foi o produto mais importado entre os itens da categoria “indústria de transformação”. O país adquiriu no exterior 41,5 milhões de toneladas de fertilizantes – incremento de 22% nas quantidades –, a preço médio de US$ 364,34 por tonelada, 56% acima dos valores pagos em 2020.
Fonte: Mariana Mainenti, do Portal Vermelho, com informações dos portais da FUP, do Jota e da Carta Capital